Casa do Artista é uma casa de "família"

Em comum têm uma vida artística - do teatro à rádio, à televisão, ao fado - e memórias de um passado em que ser artista era diferente do que é hoje.
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Mas em comum têm também o presente: a casa onde moram, um lar que os acolhe e trata como "nenhum outro o faria", onde todos entraram por opção e vivem "em família".

Ao todo, são 71 pessoas que vivem na Casa do Artista, em Carnide, Lisboa, desde que esta abriu a 05 de Maio de 1999, com inauguração oficial a 11 de Setembro do mesmo ano.

A casa acolhe também quem nunca pisou o palco para representar ou cantar, como cenógrafos, "costureirinhas" (hoje assistentes de camarim) e familiares de artistas., todos entre os 45 e os 104 anos.

Os residentes têm entre os 45 e os 104 anos, e 80 pessoas estão em lista de espera, disse à agência Lusa a responsável do lar, Paula Trindade.

Ivone Ruth, 92 anos, ex-bailarina, é a residente mais antiga, desde 10 de Maio de 1999, e diz que a Casa é a sua "família", onde tem uma "vida normal": convive com as amigas, faz crochet e tricot e sai à rua para fazer compras.

Com uma lucidez e uma alegria contagiante, Ivone Ruth alerta que quer viver mais 30 anos. Nunca foi uma "vedeta", diz esta antiga bailarina que teve um restaurante, e trabalhou na Emissora Nacional e não é saudosista: "O passado já passou, vivo mais o presente".

Os 42 anos que passou no Brasil e o Rio de Janeiro trazem-lhe brilho ao olhar. "Não há cidade mais linda no mundo... das que conheço", nem há quem nos "ponha a moral em cima como os brasileiros", acrescenta.

Nini Remartinez, 90 anos, entrou para a casa em Dezembro de 2005. Com a irmã Fernanda, teve nos anos 1940 e 1950 o duo As irmãs Remartinez, cantoras da rádio. Recorda esse tempo com saudade. E com tristeza, porque a irmã morreu em meados dos anos 1950.

"Não há como esta casa", diz Nini, grata a quem lutou para que fosse construída. Armando Cortez, Raul Solnado e Manuela Maria são nomes de que fala insistentemente porque sem eles a Casa "não era possível".

Recorda muitas histórias, como aquela noite em que as irmãs improvisaram ao piano para substituir o pianista algemado pela polícia no casino da Praia da Rocha. O público "adorou".

Maria Odete Macedo, filha do empresário teatral António Macedo e da actriz Maria Guimarães, tem 80 anos e quis ir para a Casa há 18 meses. Vivia sozinha e aqui conhece "toda a gente".

Diz que nunca teve jeito para o palco, mas o meio artístico é a sua família, e chamava avós a Josefina e António Silva. Foi secretária do pai, que chegou a ter, ao mesmo tempo, os teatros Variedades, Maria Vitória, Avenida, Apollo e Sá da Bandeira, e foi casada com Américo Ribeiro, em tempos director do Maria Matos.

Recorda o Brasil onde nasceu e de onde veio com três anos e o tempo em que foi secretária de redacção n' A Capital e no Diário de Notícias, a partir de 1973. "Foram outros tempos, mas também foram lindos", lembra.

Fundada em 1999, a Casa do Artista é um sonho que remonta a 1962 quando Raul Solnado, regressado do Brasil, quis fazer em Portugal um espaço semelhante ao que vira no Rio de Janeiro.

Com Armando Cortez, já falecido, e Manuela Maria, Solnado fez deste sonho uma realidade. Como sublinha esta última, foi essencial a colaboração de Carmen Dolores, Octávio Clérigo e Pedro Solnado, sobrinho de Raul, membro da direcção até falecer.

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